Live Looping: um guia com tudo que você precisa saber

Pra explicar o que é Live Looping, vou começar contando uma história.

Outro dia, eu vi um conteúdo da Helena Cruz no Instagram. Se você não conhece, ela é baixista, e ficou famosa na rede social fazendo música, gravando e repetindo sequências com instrumentos inusitados.

No vídeo a que me refiro, Helena usava aparatos e objetos da área de serviço de sua casa pra criar um samba: a lateral de uma máquina de lavar como surdo, copos de vidro como agogôs, uma caneca como tamborim e por aí vai.

Fiquei empolgado com o conteúdo e fiz o que nunca se deve fazer nas redes sociais: comecei a ler os comentários. Quase todos eram elogios, exceto um, que dizia: “ela só tá apertando botões num app, porque isso seria impressionante pra alguém?”

Fiquei pensando que tipo de pensamento motiva um comentário desses, até certo ponto despeitado. Como o assunto principal do Fagulha Criativa é a criatividade, resolvi criar este artigo para responder.

Se você quer saber o que é Live Looping, por que está em alta e como fazer seus primeiros loops sem gastar muito, leia até o fim. Também vou deixar meu ponto de vista sobre esse comentário no vídeo do Instagram.

O que é Live Looping?

Basicamente, Live Looping consiste em gravar e soltar trechos musicais em tempo real, ou seja, durante uma performance musical. É um conceito bem simples: uma mesma pessoa pode executar vários instrumentos numa composição (ou várias funções em um arranjo com um mesmo instrumento).

Basta, para isso, que ela grave pequenos trechos que serão repetidos em seguida, o que deixa suas mãos livres para gravar novos trechos por cima.

Deixa eu exemplificar com um vídeo:

Este é Reinhardt Buhr, um dos live loopers mais conhecidos da atualidade, executando um belíssimo e sofisticado arranjo a partir da sobreposição de elementos muito simples.

Em tempo real, ele executa todos os instrumentos da música, algo que não seria possível se não houvesse um software que grava e repete cada uma das ideias musicais que ele vai incorporando.

É claro que, pela quantidade de instrumentos que o artista toca e as variadas ideias que ele executa, sua música se torna complexa.

No entanto, o Live Looping é um conceito muito básico, o que nos leva à pergunta: por que ele se tornou famoso só recentemente? A resposta é que a tecnologia que permite o uso dos loops sempre foi cara e pesada para carregar, o que a deixava restrita a alguns nichos da música eletrônica.

Como o Live Looping começou?

A criação do primeiro aparelho capaz de reproduzir música, o famoso gramofone, data de 1887. A partir de então, esses aparelhos se popularizaram e as pessoas passaram a escutar os sons gravados, em oposição a performances musicais em tempo real.

No entanto, a música ao vivo e a gravada acabaram ficando separadas ao longo do tempo. Por várias décadas, as pessoas as encararam como experiências muito diferentes.

Não houve meio-termo até pelo menos os anos 70, quando os primeiros DJs começaram a ficar famosos.

Houve quem tentasse uma mistura, mas ela nunca se popularizou. Uma dessas pessoas foi o lendário guitarrista Les Paul, criador do modelo de guitarra que leva seu nome.

Em programas de televisão, ele gravava e repetia vozes e bases para, em seguida, fazer solos por cima. O nome do dispositivo que ele usava para isso é Guitar Omnibus, ou “ônibus de guitarra”, o que dá uma ideia do tamanho e complexidade da engenhoca.

A verdade é que sempre foi muito caro e difícil fazer Live Looping.

Os equipamentos, nesses tempos, custavam uma fortuna e precisavam de uma série de intervenções técnicas e adaptações para servirem aos interesses dos músicos.

Ou seja, era preciso tocar bem e ainda ter um quê de engenheiro rico pra fazer funcionar.

No fim, o máximo de atenção que alguém conseguia por isso era ser tratado como um cientista louco em algum programa de rádio ou televisão, como foi o caso de Les Paul.

Por que o Live Looping está em alta?

À medida que os equipamentos foram ficando mais baratos, isso começou a mudar.

Os pedais de loop e sequenciadores passaram a ser produzidos com finalidade didática: os músicos podiam gravar acordes e praticar a improvisação por sobre eles.

Não é difícil supor que, durante essas sessões de estudos, as ideias de composição começaram a surgir. Os primeiros aparatos tinham apenas um canal de gravação, o que significa dizer que só era possível gravar um trecho por sobre o outro.

Essa é uma limitação para um compositor, mas talvez tenha se tornado um grande desafio também. Quem experimentou sabe: fazer música sobrepondo camadas pode até ser difícil no início, mas é muito recompensador e divertido.

A partir daí, os pedais e dispositivos de loops se popularizaram muito rapidamente.

Ajudaram nisso o grande sucesso da música eletrônica nos dias atuais e a facilidade não só de gravar ideias e repetir em casa, mas também de registrar isso tudo e enviar para um canal no YouTube.

Hoje, todo mundo sabe, de uma forma ou outra, como divulgar música, e tem gente que aprendeu no YouTube como fazer música no celular. Ou seja, tá tudo à mão.

Além disso, o Live Looping é perfeitamente adequado aos novos formatos de conteúdo das redes sociais. Gravando e soltando loops é possível fazer vídeos divertidos e relativamente fáceis de gravar, embora exijam muita criatividade.

O interesse por eles tem crescido não apenas da parte dos músicos profissionais, mas do público em geral. Há quem faça Live Looping com vídeos de gatos, por exemplo, como é o caso do artista do TikTok David Scott, que integra o grupo The Kiffness.

Quais são os principais artistas de Live Looping?

Abaixo, escolhi alguns os expoentes do gênero nos dias atuais. Ao fazer listas assim, claro, arrisco esquecer de alguém importante.

Se você acha que há algum músico que deveria aparecer aqui, deixe um comentário no fim do artigo. 👇🏻Assim, a gente vai trocando referências e conhecendo mais e melhor nossos live loopers favoritos. 😉

Ed Sheeran

Com certeza, Ed Sheeran é o artista mais conhecido dessa lista. Curiosamente, muitos ouvintes das suas músicas não têm ideia de que ele faz Live Looping.

O músico inglês foi alçado à posição de estrela mundial da música pop gravando e soltando sequências nos seus shows, algo que faz até hoje. Com seus loops, impressionou artistas como Elton John, o ator Jamie Foxx e a cantora Taylor Swift, em cujos shows fez participações especiais.

O material de Live Looping que Sheeran produz impressiona pela simplicidade. Embora tenha recursos para usar o que quiser no palco, ele costuma ser bem minimalista.

Reinhardt Bur

Simplicidade é algo que, com certeza, nunca passou pela cabeça desse live looper.

Reinhardt Bur, um músico de rua nascido na África do Sul, faz música com uma verdadeira parafernália: teclados, sequenciadores, baterias eletrônicas, instrumentos de percussão, guitarras e diversos instrumentos que não são nem mesmo conhecidos do grande público estão no seu set.

O resultado é uma música ambiente intrigante, com diversas camadas sonoras, relaxante e impressionante ao mesmo tempo.

The Kiffness

Desta lista, The Kiffness é, com certeza, o artista mais inusitado. A descrição do seu canal do YouTube diz apenas que “The Kiffness faz música com pessoas e animais ao redor do mundo”.

Sua produção é basicamente isso mesmo.

Ele usa vídeos de pessoas cantando, gatos miando ou conversas como ponto de partida para seus loops. Sempre acompanhado de um ukulele, um trompete e seu controlador MIDI (onde cria com muita facilidade ritmos de bateria eletrônica), o artista americano exibe simplicidade e criatividade em seus arranjos.

Emily McVicker

O que mais caracteriza o Live Looping de Emily McVicker é sua voz.

Gravando e repetindo sequências, ela cria lindas tecituras vocais, verdadeiros corais gravados. Seus ritmos são feitos por beat box ou instrumentos de percussão simples, que trazem uma atmosfera pop toda especial.

Uma curiosidade sobre a artista que vem muito ao caso para os meus leitores é que ela explica, em seu canal do YouTube, como cria seus loops e que equipamentos usar, fazendo verdadeiros tutoriais.

Paul Davids

Paul, um artista holandês, também é educador.

Além de suas impecáveis performances de Live Looping, é professor em um curso online chamado Loop School. Se você fala inglês, definitivamente vale a pena se matricular.

Se não, tem muita coisa boa pra aprender no canal dele no YouTube, com as legendas geradas automaticamente.

Paul é um guitarrista, e faz desse instrumento o centro de suas composições. No entanto, ele também é muito hábil ao acrescentar linhas de teclado, sintetizadores e sequenciadores de bateria. Acompanhar seu trabalho é uma ótima fonte de entretenimento e aprendizado para quem gosta de música e criatividade.

Como começar a fazer Live Looping agora mesmo?

Para músicos profissionais e amadores, o Live Looping é uma prática ao mesmo tempo útil e interessante. Como eu disse acima, ela ajuda no processo de composição e também nos estudos.

Você pode praticar suas escalas sobre uma base ou experimentar várias camadas num arranjo musical, por exemplo. É uma ótima maneira de se manter criativo ou criativa, combinando e testando ideias que podem se tornar uma composição em tempo real.

Os guitarristas podem usar pedais simples de loop para começar. Escolha a partir do seu orçamento e das marcas que são referência para você. Todos dão conta do recado.

Recomendo iniciar com um desses pedais mais simples que gravam e repetem apenas uma faixa. Assim, você já consegue gravar tempo suficiente e acrescentar quantas camadas quiser sem gastar muito.

Se for utilizar um software para isso, há opções gratuitas para iPads, iPhones ou telefones com Android. Vou recomendar alguns abaixo.

Melhores apps de Live Looping

Há uma infinidade de aplicativos que dão conta do serviço. Abaixo, vou citar apenas 3 opções gratuitas e fáceis de usar para quem está começando.

Loopify

Talvez o melhor looper gratuito para Android.

Ele tem o necessário para começar, é relativamente simples de usar e funciona em smartphones intermediários, por não consumir muito processamento.

No entanto, o Loopify tem anúncios e precisar ser pago para liberar o acesso a funcionalidades mais profissionais.

Garage Band

Em tese, o Garage Band é gratuito, mas só funciona em dispositivos Apple.

Ou seja, acaba saindo caro no fim das contas. Se você tem algum desses dispositivos, eu recomendo bastante o software. Ele não é nada demais no MacBook, mas é excelente no iPad. Nesse dispositivo, tem um modo de visualização específico para o Live Looping, muito intuitivo e prático.

No iPhone, funciona da mesma forma como no iPad, mas o tamanho da tela restringe bastante a funcionalidade dos loops.

FreeLoop

Esta também é uma opção que funciona em dispositivos Android.

Recomendo o FreeLoop para quem quer apenas usar as funções mais simples do app ou precisa de um aplicativo que funciona em smartphones muito simples. Assim como o Loopify, ele tem anúncios e precisa de pagamento para desbloquear algumas funcionalidades.

Sobre criatividade e técnica

Comecei este texto relatando o comentário de um internauta a respeito do trabalho da Helena Cruz, lembra? Ele sugeriu que as pessoas não deveriam estar impressionadas com o que ela faz, por se tratar apenas de “apertar botões em um app”.

Talvez você conheça a história do funcionário de uma assistência técnica que cobrou 500 reais para apertar um parafuso em uma televisão.

A nota fiscal dele dizia: “Apertar parafuso: 10 reais. Saber qual parafuso apertar, 490 reais”.

Da mesma forma, Live Looping não é apertar botões, mas saber quais botões apertar, em que momento e com a dose certa de bom gosto e qualidade musical. Na verdade, isso vale para qualquer atividade criativa de qualquer área.

Não é que a técnica não seja importante. Ela é um meio de que todos os músicos devem dispor para mostrar ao mundo o que criam.

Tenha em mente, no entanto, que o instrumento musical é exatamente o que o nome diz: apenas um instrumento para o artista expressar sua musicalidade. No caso da Helena, sua musicalidade é tão fascinante porque ela pode ser expressa em qualquer coisa, até mesmo em uma máquina de lavar.

Isso é o que impressiona no trabalho dela.

Aliás, o que o nosso amigo do comentário talvez não saiba é que ela é uma grande baixista que consegue fazer música com ou sem o baixo, seu instrumento de origem.

Live Looping é isso, criatividade em estado bruto. Na minha opinião, ele ainda vai ocupar um espaço especial na Economia Criativa brasileira, nos próximos anos.

Concorda com meu ponto de vista sobre esse assunto? Deixa um comentário aqui embaixo, me contando o que achou dessas observações e qual é a sua experiência com a criatividade até o momento. 👇🏻

Jardel Rodrim

Músico profissional, também trabalhou na Publicidade e no Marketing Digital. Atua como artista freelancer tocando guitarra, violão e ukulele, além de participar de gravações como arranjador. Criou o Fagulha Criativa para escrever sobre a importância da criatividade para o mercado musical e artístico.

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